terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Nova lei trará prejuízos à liberdade de expressão

A manutenção da atual lei de imprensa, até a sua atualização ou revogação com a aprovação de outro texto sobre o tema, mostra-se indispensável



* Luiz Manoel Gomes Junior
Após o ajuizamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade ou não recepção da lei de imprensa pela Constituição Federal, o tema ganhou destaque na mídia e nos meios acadêmicos.

Com a proximidade do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da mencionada ADPF, previsto para agosto deste ano, há necessidade de algumas considerações.

Uma posição seria a revogação total da lei de imprensa, por inconstitucional, não havendo necessidade de qualquer disciplina específica para o tratamento da matéria, já que a liberdade de imprensa é ampla1; a segunda consideração seria a revogação total da lei de imprensa, mas com a necessidade de uma nova lei e2; a revogação parcial da lei de imprensa, com a manutenção dos dispositivos que são constitucionais, havendo a necessidade de um tratamento legislativo para esta atividade3.

O ajuizamento da ADPF do deputado federal Miro Teixeira tem o inegável efeito positivo de colocar em discussão a constitucionalidade da antiga lei de imprensa, bem como se a atividade jornalística deve ser regulada por lei específica.

Pensamos que a atual lei de imprensa deve ser mantida, sem que haja inconstitucionalidade na maioria dos seus dispositivos, pelo menos até a aprovação de uma nova disciplina para a matéria.

O Supremo Tribunal Federal realmente considerou inconstitucionais diversos dispositivos, mas eram regras que a própria jurisprudência, em sua grande maioria, não aplicava por considerar que violavam a Constituição Federal, como a que permitia a censura pelo juiz, de manifesta inconstitucionalidade.

A manutenção da atual lei de imprensa, até a sua atualização ou revogação com a aprovação de outro texto sobre o tema, mostra-se indispensável.O primeiro dos motivos é para a própria segurança dos órgãos de imprensa. Atualmente há disciplina específica para os processos judiciais que forem ajuizados. Revogada a lei, cada juiz irá adotar o procedimento que entender melhor.

Já no direito de resposta, que possui previsão constitucional e não pode ser negado por falta de disciplina legal, por exemplo, será ajuizado em um local no juízo cível, e em outro, no juízo criminal; um julgador irá exigir como condição o pedido administrativo anterior, como na atual lei de imprensa, outro entenderá que não há necessidade, causando perplexidade para todos os interessados e, pior, para os órgãos de imprensa que não saberão como proceder em cada situação concreta.

No caso, formas e formalidades são sinônimos de segurança jurídica. Revogada simplesmente a lei de imprensa, teremos um procedimento, ou forma, para cada juiz e em cada tribunal ou câmara julgadora. Os prejuízos para a defesa dos direitos, em especial à honra e à liberdade de expressão, serão incalculáveis.

De outro lado, em um país com dimensões continentais como o Brasil, há indiscutível necessidade de coerência do sistema de regras e normas, como elemento essencial de um Estado Democrático de Direito.

O doutor em Direito Penal Victor Gabriel Rodríguez deixa claro, como segundo argumento, que a aplicação da legislação penal aos crimes cometidos pela imprensa irá se traduzir em penas em muito superiores àquelas previstas na lei de imprensa. O prazo prescricional para ajuizar a ação penal, na lei especial de imprensa, é de três meses. No código penal é de seis meses.

A lei de imprensa também prevê prisão especial para o jornalista e proíbe a prisão processual, regras inexistentes no regime do direito penal comum. Revogada a lei de imprensa, o prejuízo a esses profissionais será considerável, em se tratando de matéria penal.

O artigo 27, da lei de imprensa, a título de exemplo, delimita as hipóteses em que a atividade jornalística não será considerada abusiva, como noticiar; comentar e criticar projetos dos Poderes Executivo e Legislativo; a exposição de crítica ou idéia; a divulgação de atos judiciais; dentre outros. Há um referencial preciso para os juízes norteando o julgamento de ações contra os órgãos de imprensa.

Este mesmo artigo permitiu que fossem julgadas improcedentes todas as ações ajuizadas pelos fiéis da Igreja Universal em face da Folha de S. Paulo , pois na matéria anteriormente veiculada nesse jornal, havia o inegável interesse público.

Como bem ponderado por Walter Ceneviva, nesta mesma Folha de S. Paulo , o "direito comum tem soluções não ajustadas aos aspectos civis e penais da comunicação social".

Nada será mais nefasto e prejudicial, tanto para a liberdade de imprensa, como para a defesa da honra e das garantias individuais, que o vácuo legislativo propiciado simplesmente com a revogação da lei de imprensa atual, na precisa análise do editorial da Folha de S. Paulo sobre o assunto, em 30 de março de 2008.

Claro que precisamos de uma norma mais moderna, totalmente adequada aos preceitos e espírito da Constituição Federal. Mas, a revogação simples da atual lei de imprensa não trará qualquer efeito positivo para os dois mencionados direitos de dignidade constitucional, quais sejam, a liberdade de expressão e o direito à honra.

Notas de Rodapé

1. Publicação de Michel Temer na Folha de São Paulo —Tendências/ Debates, em 15 de maio de 2008.

2. Miguel Reale Junior e René Ariel Dotti — Folha de S. Paulo —Tendências e Debates, em 11 de março de 200; e Saulo Ramos – Tendências e Debates, 9 de maio de 2008.

3. Victor Gabriel Rodríguez — Folha de S. Paulo — Tendências/Debates.

* Mestre e doutor em Direito Civil pela PUC-SP, advogado, consultor da Organização das Nações Unidas, coordenador do livro Comentários à Lei de Imprensa — Ed. RT.

Publicado na Revista Consultor Jurídico em 8 de janeiro de 2009

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Um Diploma ou um Sacerdócio?

Que respostas podemos dar à indagação sobre os motivos de se exigir que o profissional de Jornalismo seja formado por uma faculdade?

Digamos, desde logo, que a faculdade não vai "fazer" um jornalista. Ela não lhe dá técnica se não houver aptidão, que denominamos de vocação.

A questão é mais séria e mais conseqüente. A faculdade, além das técnicas de trabalho, permite ao aluno a experiência de uma reflexão teórica e, principalmente, ética.

Não achamos absurdo que um médico deva fazer uma faculdade. É que vamos a ele entregar o nosso corpo, se necessário, para que ele corte, interfira dentro de seu funcionamento, etc.

Contudo, por vezes discutimos se existe necessidade de faculdade para a formação do jornalista, e nos esquecemos que ele faz uma intervenção muito mais radical sobre a comunidade, porque ele interfere, com seus artigos, suas informações e suas opiniões, diretamente dentro de nosso cérebro.

Acho que, pelo aspecto de cotidianidade que assumiu o Jornalismo, a maioria das pessoas esquece que o Jornalismo não é uma prática natural.

O Jornalismo é uma prática cultural, que não reflete a realidade, mas cria realidades, as chamadas representações sociais que interferem diretamente na formulação de nossas imagens sobre a realidade, em nossos valores, em nossos costumes e nossos hábitos, em nossa maneira de ver o mundo e de nos relacionar com os demais.

A função do Jornalismo, assim, é, socialmente, uma função extremamente importante e, dada a sua cotidianidade, até mais importante que a da medicina, pois, se não estamos doentes, em geral não temos necessidade de um médico, mas nossa necessidade de Jornalismo é constante, faz parte de nossas ações mais simples e, ao mesmo tempo mais decisivas, precisamos conhecer o que pensam e fazem nossos governantes, para podermos decidir sobre as atividades de nossa empresa; ou devemos buscar no Jornalismo a informação a respeito do comportamento do tempo, nas próximas horas, para decidirmos como sair de casa, quando plantar, ou se manter determinada programação festiva.

Buscamos o Jornalismo para consultar sobre uma sessão de cinema, sobre farmácias abertas em um feriadão, mas também para conhecermos a opinião de determinadas lideranças públicas a respeito de determinado tema, etc.

Tudo isso envolve a tecnologia e a técnica, o nível das aptidões, capacidades e domínio de rotinas de produção de um resultado final, que é a notícia.

Mas há coisas mais importantes: um bom jornalista precisa ter uma ampla visão de mundo, um conjunto imenso de informações, uma determinada sensibilidade para os acontecimentos e, sobretudo, o sentimento de responsabilidade diante da tarefa que realiza, diretamente dirigida aos outros, mais do que a si mesmo.

Quando discuto com meus colegas a respeito da responsabilidade que eu, como profissional tenho, com minha formação, resumo tudo dizendo: não quero depender de um colega de profissão, "transformado" em "jornalista profissional", que eventualmente eu não tenha preparado corretamente para a sua função.

A faculdade nos ajuda, justamente, a capacitar o profissional quanto às conseqüências de suas ações.

Mais que isso, dá ao jornalista, a responsabilidade de sua profissionalização, o que o leva a melhor compreender o sentido da tarefa social que realiza e, por isso mesmo, desenvolver não apenas um espírito de corpo, traduzido na associação, genericamente falando, e na sindicalização, mais especificamente, mas um sentimento de co-participação social, tarefa política (não partidária) das mais significativas.

Faça-se uma pergunta aos juízes do STF a quem compete agora julgar a questão, mais uma vez, questão que não deveria nem mais estar em discussão: eles gostariam, de ser mal informados?

Eles gostariam de não ter acesso a um conjunto de informações que, muitas vezes, são por eles buscadas até mesmo para bem decidirem sobre uma causa que lhes é apresentada através dos autos de um processo?

E eles gostariam de consultar uma fonte, sempre desconfiando dela?

Porque a responsabilidade do jornalista reside neste tensionamento que caracteriza o Jornalismo contemporâneo de nossa sociedade capitalista: transformada em objeto de consumo, traduzido enquanto um produto que é vendido, comercializado e industrializado, a notícia está muito mais dependente da responsabilidade do profissional da informação, que é o jornalista, do que da própria empresa jornalística que tem, nela, a necessidade do lucro.

Assim sendo, é da consciência aprofundada e conscientizada do jornalista quanto a seu trabalho, que depende a boa informação.

E tal posicionamento só se adquire nos bancos escolares, no debate aberto, no confronto de idéias, no debate sério e conseqüente que se desenvolve na faculdade.

Eis, em rápidos traços, alguns dos motivos pelos quais é fundamental que se continue a exigir a formação acadêmica para o jornalista profissional.

A academia não vai fazer um jornalista, mas vai, certamente, diminuir significativamente, a existência de maus profissionais que transformam a informação, traduzida na notícia, em simples mercadoria.

Danny Bueno

_______________Arquivo vivo: