
VOCÊ PODE ENTENDER UMA ÉPOCA pelas palavras que irrompem nas conversas e nos textos. Podem ser neologismos, podem ser palavras antigas que ganharam novo significado, podem ser gírias afinal consagradas. As palavras de um tempo giram em torno dos assuntos que mais mobilizaram as pessoas. A década de 2 000 foi dominada por alguns fenômenos. Um deles, o de maior impacto, foi a digitalização da sociedade: a internet tornou o mundo pequeno. Conectou gente de todas as partes e trouxe com sua expansão extraordinária e veloz um dilema para cada um de nós: como controlá-la em vez de sermos controlados por ela? A década viu também a exacerbação explosiva do radicalismo islâmico, e aí o marco mais doloroso foi o 11 de Setembro, o dia em 2001 em que foram destruídas por aviões sequestrados as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Manhattan.
Foi, também, o período em que o aquecimento global deixou de ser tema de ativistas, pejorativamente chamados por um bom tempo de ecochatos. Em qualquer roda de bar você encontra hoje gente charmosa, bonita, cosmopolita, de interesses variados, trocando boas práticas sobre como contribuir para o bem-estar do planeta e, portanto, de todos nós; mais ainda, das futuras gerações. Mesmo o uso de um papel higiênico mais verde tem sido considerado, bem como o de vibradores verdes.
Os anos 2000 assistiram também à crise econômica mais penosa desde a Grande Depressão de 29. Os cuidados com a saúde ganharam, igualmente, novo peso, e estamos falando aí de saúde física e também mental. O culto ao corpo e à juventude, tragicamente expresso na vida e morte de Michael Jackson, deixou também suas digitais. Da mistura de tudo isso, misturado, saíram os sons da década. Mais uma vez, registro o agradecimento às pessoas que ajudaram a buscar as palavras. E lembro que a série de listas inclui cinco temas centrais. Gente (o post já foi feito); palavras; fatos; destaques no universo da cultura; produtos ou objetos. Até o final do ano, o pacote estará completo.

1) Dar um google. Sem fazer isso várias vezes, todos os dias, você não vai longe. Ninguém vai. Na lista das pessoas mais influentes da década feita aqui no Diário, os fundadores do Google já tinham aparecido no topo. Os anos 2000 foram representados, acima de tudo, pelo Google. Amado, odiado, combatido, invejado, admirado, copiado, tudo isso em doses imensas, o Google é o símbolo máximo da vida moderna, no que ela tem de glória e de miséria. É mais fácil ficar um dia sem falar com a sua mãe ou com o seu filho do que sem usar a busca do Google.
2) Verde. Uma cor se tornou, mais que isso, uma idéia, um conceito, uma causa. Ser verde, hoje, é fazer tudo que estiver em suas mãos pelo meio-ambiente. Tão forte é o apelo que, recentemente, o movimento que lutou contra os resultados oficiais das eleições do Irã adotou essa cor. Assuntos antes restritos a especialistas começam a ser debatidos por transeuntes, da camada de ozônio às emissões de gás carbônico. O encontro de Copenhague, dentro deste contexto, ganhou uma cobertura à altura de uma final de Copa do Mundo.
3) Multitask. A sabedoria milenar diz que você só pode fazer bem uma coisa por vez. Na hora de comer, coma. Na hora de conversar, converse. Daí por diante. A tecnologia moderna desafiou um conceito em torno do qual filósofos de todas as escolas, ocidentais ou orientais, tinham convergido. Os jovens de hoje, e não só eles, fazem várias coisas ao mesmo tempo. Num caso extremo, um noivo tuitou o seu casamento diante de um padre, e o vídeo virou um sucesso instantâneo na internet. Se a multiplicidade de ações é bom ou ruim, é uma questão que fica talvez para a próxima década.

4) Jihad. Uma palavras árabe varreu o mundo, e ela chegou cheia de ódio e de sangue aos não-islâmicos. A Jihad, ou Guerra Santa, expôs o grau de insanidade a que pode chegar o fanatismo de quem acredita que sua causa é sagrada e, por isso, justifica qualquer violência. Milhões e milhões de pessoas no Ocidente que sequer sabiam quem é Alá conheceram o significado de jihad, e não se pode dizer que este tenha sido um ganho cultural agradável.

5) Vegan. Nunca os animais foram tão amplamente defendidos como nesta década. Algumas cenas foram memoráveis. O presidente Barack Obama foi repreendido por militantes da PETA, um grupo exaltado de militância pró-animais, ao abater com um golpe seco um mosquito que o incomodava numa entrevista. Paul McCartney enviou uma carta de reprovação ao líder budista Dalai Lama ao saber que ele apreciava um churrasquinho. Recentemente, os ativistas lançaram a campanha do Dia Sem Carne, na qual propõem aos carnívoros que dêem descanso uma vez por semana a vacas, frangos, porcos, gansos etc.

6) Sustentável. Outra palavra que tem sido usada numa escala tão elevada que corre o risco de chegar gasta aos anos 2010. Há uma conexão, aí, com a ecologia. Um crescimento sustentável é, teoricamente, aquele que não agride o ambiente. Algum tempo atrás, você empregava sustentável principalmente por motivos econômicos. No caso específico do Brasil, ali estava o dilema de crescer sem colocar em risco os fundamentos da economia, como a estabilidade. Se o vocábulo sustentável – com suas derivações como sustentabilidade — vai se sustentar no novo tempo é uma boa questão.
7) Depressão. O mundo globalizou-se nos anos 90, e agora na década de 2000 conheceu sua primeira grande crise econômica mundial. Como num dominó, uma queda puxou outra, e outra, e outra. Nunca ficara tão clara a interdependência entre os países. Tão forte tem sido o tranco, iniciado com o colapso do mercado imobiliário americano, que ressurgiu, para efeitos comparativos, o fantasma da Grande Recessão de 1929. Depressão, nestes dias, deixou de ter caráter unicamente médico, ainda que os antidepressivos não tenham perdido vitalidade nesta década. Longe disso, aliás.
8 ) Tsunami. Desastres naturais não são exatamente novidade, como mostram a barca de Noé bíblica e a Pompéia destruída por lavas vulcânicas. Inédita foi a força chocante das ondas gigantes e descontroladas que ceifaram vidas, arrasaram cidades e deixaram um rastro de pânico e perplexidade mesmo em quem as viu de longe pela televisão. É uma palavras que ganhou desdobramentos na vida moderna. Muitas coisas ao mesmo tempo enormes, potentes e negativas são designadas, mordazmente, como tsunami. Um presidente que tenha passado por um país ou um executivo que tenha sido alçado ao topo de uma empresa podem ser perfeitamente classificados como tsunamis se tiverem resultados parecidos com os de George W. Bush ou Fred Godwin, o banqueiro britânico que arrasou como um humo um banco portentoso e ainda saiu com uma pensão milionária.

9) Botox. O culto ao corpo, quando foi ao exagero, terminou quase sempre nas injeções de botox com as quais mulheres e homens enrugados tentam deter a natureza, que se traz experiência impinge também pregas no rosto. Muitas vezes os resultados são nulos ou cômicos, mas, segundo a psicologia moderna, o importante é que a auto-estima esteja num nível elevado, e se o botox contribuir para isso terá cumprido sua missão.

10) Piratear. Os meliantes petulantes da Somália trouxeram de volta imagens ancestrais que remetem ao Capitão Gancho, mas neste caso não se trata de pirataria nos mares, concreta, em que embarcações são tomadas e pilhadas, e sim virtual. Um olhar mais rigoroso vai dizer que, na Era Digital, praticamente todos os habitantes do planeta pirateiam em alguma escala — músicas e filmes sobretudo. A superpopulação de Capitães Ganchos da internet pode levar a um fato intrigante: se todos são piratas, pode ser que, num paradoxo, ninguém seja. É mais uma interrogação que fica para a próxima década.
(PAULO NOGUEIRA - REVISTA ÉPOCA)
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